Reflexão

A Graça do Ordinário



Minha igreja é uma igreja bíblica, como a maioria das igrejas que conheço; há nela gente pecadora e que insiste em não obedecer a Deus e sua Palavra, como há aqueles que oram, buscam uma vida de obediência e serviço, arrependem. É tão bíblica como era a de Corinto e Éfeso. As pessoas que ali congregam vivem a mesma vida comum com seus conflitos conjugais, crises pessoais, indefinições profissionais e dilemas espirituais. Temos que aprender a reconhecer aquilo que Deus está fazendo na vida comum das pessoas — a graça do ordinário.

Esta fascinação pelo extraordinário nos leva a exaltar o forte e glorificar o vencedor. Eles não fazem parte do nosso mundo simples, comum e ordinário. São sujeitos e vítimas do mundo fantasioso que criamos, que precisam cultivar a ilusão para preservar o ídolo. Ao não admitir sua humanidade comum e ordinária, experimentamos uma espiritualidade infantil e imatura, dependente do sucesso deles, da ilusão de uma vida irreal. Tornamo-nos imaturos em relação aos nossos problemas e dos outros geramos uma igreja infantil, que precisa do entretenimento religioso para fugir da realidade da vida.

A Bíblia, ao contrário, nunca negou a realidade. Isto porque a vida cristã não consiste em negar a realidade, mas em trazer para dentro do comum e ordinário dos homens a presença salvadora de Jesus Cristo. Foi isto que aconteceu com Jacó, Davi, Jó e Daniel. Todos eles tiveram problemas nos casamentos, na criação dos filhos, na vida profissional, e na sua relação com Deus. Quando lemos a Bíblia, encontramos Deus agindo e transformando o homem dentro desta realidade comum e ordinária. São histórias de festas, pescarias, conversas e encontros que faziam parte da rotina das pessoas. Claro que haviam os milagres, muitos deles na caminhada da fé, mas a maioria deles não tem a forma das grandes intervenções divinas, estão escondidos nos episódios comuns, nas situações em que experimentamos o medo, a rejeição, o abandono, a traição, a decepção, a rebeldia e o divórcio. Encontrar a vida em Cristo nestes lugares e cenas comuns e ser transformado por ele é provar o milagre de ser reconciliado à sua imagem e semelhança.

Para crescer na fé não precisamos de shows, nem de igrejas espetaculares, muito menos de líderes e pastores que não compartilham de nossa vida comum. Precisamos aprender a orar, ouvir e obedecer a Deus e sua Palavra, participar juntos da ceia do Senhor e servir nossos irmãos no amor de Cristo. Estas coisas só acontecem dentro da rotina ordinária da vida.

Texto de Ricardo Barbosa de Sousa adaptado por Samuel Scheffler

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