Um olhar de perto do atentado terrorista na Noruega
O QUE FAZER COM AS FLORES MORTAS (06/08/2011)
É sexta de manhã. A gente acorda e toma café. Eu olho pela janela o dia nublado e a ameaça de chuva. Isso não vai interferir em nada no meu dia. Passamos a última semana pintando o apartamento no andar de cima, pra onde vamos nos mudar. E hoje é dia de mudança. Terminar de limpar a sujeira da reforma e carregar móveis. No apartamento recém pintado abro todas as janelas. O cheiro da tinta fresca ainda está muito forte. Começamos a por em prática todos os planos do dia. No meio da tarde ouvimos um barulho. Um trovão, eu pensei. Acho interessante que quando começa a chover forte, não importa o que você está fazendo, todo mundo interrompe os pensamentos ou até mesmo para para olhar e pensa: está chovendo. Aqui tudo é isolado. Janelas, portas, paredes. É raro chover forte. É raro ouvir a chuva caindo no telhado. Nunca escutamos trovões. Um trovão. Que estranho. Que trovão estranho. Entre idas e vindas carregando móveis pelas escadas o vizinho comenta de uma explosão. Explodiu um prédio do governo no centro. Sem mais informações. O trovão. Por isso tantas sirenes no dia. Por isso os helicópteros.
Em pouco tempo sabíamos que foi uma bomba. Não acidente. Um atentado. Alguém decidiu, planejou e fez. Intencional. Quando essas coisas acontecem a gente para. Todo mundo para. Para ler as notícias, saber mais, avisar todos que estamos bem. Quando algo assim acontece qualquer um se pergunta da família, dos amigos. Todos queremos saber se todos estão bem. Nos jornais, na internet, na TV: "Estamos sob ataque!" Todos pensamos em um ataque muçulmano. A guerra santa chegou na Noruega. Com uma bomba, em um prédio do governo, após o horário do expediente, na época de férias de verão, com a cidade vazia.
Em meio às fotos do centro com pessoas machucadas, pedaços de concreto e vidro por todos os lados, poeira, algumas notas sobre um tiroteio numa ilha próxima a Oslo. Enquanto o mundo olhava pessoas sendo socorridas e a polícia se preocupava em manter a segurança do centro, um maluco vestido de policial, fortemente armado, caçava jovens e adolescentes a pouca distância dali. Num lugar onde só se chega de barco, ou só se foge nadando.
Em um dia em que uma coisa dessas acontece e todo mundo para em frente à TV ou lendo um jornal, a gente tem que se perguntar: e se fosse eu? E isso não pode ser para agradecer porque não foi comigo. Mas para entender que eu não estou no controle. Para tentar entender a dor do outro que assim como nós começou o dia cheio de planos. Mas parou no meio e recebeu notícia, dor e sofrimento. Ninguém planeja isso.
No domingo seguinte aos atentados as igrejas por todo o país se encheram. Em busca de consolo para aqueles que perderam seus filhos, pais, irmãos, amigos. Demonstrando solidariedade por aqueles que enxergaram o sofrimento do vizinho. Procurando segurança por todos que sentem medo. Gente chorando, gente ascendendo velas, gente levando flores. Tantas flores a ponto de fechar a rua em frente a catedral de Oslo, duas quadras de distância do centro da explosão. Flores nas grades que cercam o lugar. Flores nos prédios do governo, nos monumentos, nas calçadas, nas esquinas.
Durante a semana que passou a cidade começou a ruminar o que aconteceu. Um norueguês de extrema direita, que se diz conservador e cristão, abriu fogo contra uma nação. Muitos morreram, mas milhares saíram feridos. O atentado abre discussões e sentimentos em uma capital onde um terço dos habitantes é imigrante ou filho de pais imigrantes. A população quer responder aos ataques com mais democracia e mais liberdade. Mas o que significa isso em um país onde em muitas áreas a liberdade perdeu os limites? E qual será a resposta daqueles que não concordam?
Todos os dias, no caminho para o trabalho, eu passo em frente à catedral com o mar de flores na frente. Tudo já funciona normalmente e todos de novo começam o dia fazendo planos. Mas as flores estão lá há vários dias. Fiquei pensando sobre o que eles iriam fazer com todas aquelas flores mortas. Pensei que simplesmente passar uma máquina da prefeitura e jogar no lixo seria muito ofensivo. Elas são expressão do sentimento de toda aquela gente. E me incomoda um pouco a ideia de que agora que todas as lojas do centro estão com seus vidros novos e trocados, agora que não tem mais poeira e que a tinta fresca cheira forte novamente, tudo volta ao normal. Ninguém vai esquecer o que aconteceu. Mas as flores mortas me fazem lembrar que o tempo passa. Os vivos têm que continuar vivendo. A questão é o que fazemos com o tempo que ainda temos sobrando e como vamos viver a vida que ainda temos. Que não esqueçamos das famílias que tem que viver sentindo falta de um. Que possamos entender que assim como nem todos os cristãos acham certo matar em nome de Deus, nem todos os muçulmanos são terroristas ou concordam com isso. Que lembremo-nos todos os dias que a vida que temos não é nossa. Queremos aprender a fazer os planos que Deus tem para nós. Agradecemos a todos que se preocuparam, perguntaram e oraram por nós. Estamos bem. Não temos medo. Oramos para que Deus nos ensine como caminhar depois que as flores morrem.
Carolina e Maicon Steuernagel
Fonte: http://me.org.br/missaozero/noticia02.html
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*Carolina e Maicon Steuernagel- Missionários da Missão Zero (IECLB - Movimento Encontrão) em Oslo/Noruega
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